sexta-feira, 15 de junho de 2007

a visão fotográfica.







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É engraçado como a percepção sobre o mundo de alguém que se interessa muito por fotografia, muda. Você passa a olhar com outros olhos tudo aquilo que parece ser normal para as pessoas normais. O fotógrafo ou aprendiz de fotógrafo tem outra interpretação do cotidiano. Pelo menos pra mim é assim.
Ontem tive que pegar uma van (usarei o termo "lotação", o mais usado por aqui) até o trabalho. Meu pai é meu chefe, ele teve que sair mais cedo que o normal e "infelizmente" eu não tinha acordado ainda. Lá vou eu: a lotação passa pelo Guará 1 (onde eu moro), vai até o Guará 2, passa pelo Parkshopping, por fora da Candangolândia, passa por todas as avenidas do Núcleo Bandeirante, depois passa por fora do Riacho Fundo e finalmente chega ao meu destino, Pistão Sul de Taguatinga (logo que entra no Pistão Sul, tem uma fábrica de café, o cheirinho é uma delícia!). Eu levo mais ou menos uma hora pra chegar até o trabalho, sem congestionamento. Mas, o ponto em que eu quero chegar é esse: eu nunca estive tão emocionada de poder passar pelo Núcleo Bandeirante. Sempre que vou de lotação olho minunciosamente todos os detalhezinhos desse lugar, que pra mim parece mais uma vila do interior. O lugar é como doce pra criança, ou melhor, câmera para fotógrafo.O Bandeirante (ou Bam-bam pros mais íntimos) é a única "cidade"* que é cheia de rotarórias, balões, queijinhos. Deixa muita gente tonta. Além disso, há também as crianças soltando bolinhas de sabão na rua enquanto caminham-pulando no meio-fio; os tiozinhos mais styles passeando com o seus camelos (lê-se: bicicletas) moderníssimos, o banco de couro fazendo franjinha nas bordas, espelhinhos retrovisores, buzina de metal, a boina revestida de xadrez, os óculos de armações caramelo, tem também o carro que bateu na placa que ninguém-sabe-como aconteceu, pois o trânsito é tão tranquilo, mas meio apertado; os pontos de ônibus que são indicados por aquela famosa plaquinha (aqui em Brasília quase não existe mais isso) e fazem os ônibus e lotações pararem no meio da pista; os cobradores das lotações, "batem o ponto" durante o percurso, e lá no Bandeirante tem caixinha pra bater ponto justamente numa vendinha super velhinha, mas tem-de-tudo, quase não dá pra se ver o que tem do lado de dentro: desde coalhada até pimenta, vassouras, salgados, chips, refrigerecos, etc, tudo muito barato. O dono fica sentado numa cadeira de praia embaixo de uma árvore enorme que cobre a venda fazendo uma sombrinha gostosa, olhando os cobradores correndo pra bater o ponto na caixinha embutida. As casas mais antigas eram feitas de madeira corrida, ainda tem uma lá num terreno quase baldio. Indo embora, dá pra ver o pessoal na pracinha central, conversando e palitando os dentes. Tem também aqueles caras no estilo mafioso-humilde, chinelão, uma camisa cavada apertando a barriga enorme, bermuda e cabelo cumprido, amarrado no rabo-de-cavalo. E muito mais...

Enfim, ainda não tive oportunidade de fotografar por lá, mas sempre que passo sinto uma imensa vontade de descer da lotação, e percorrer a "cidade"* todinha a pé e poder fotografar tudo o que meus olhos e minha percepção disser pra fotografar.


* "cidade", está entre aspas porque é como se fosse um bairro de Brasília (para entendimento geral). Não existe mais o termo "Cidades Satélite", agora é Região Administrativa.




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